Saturday, July 3, 2010

MEMÓRIA CONFIÁVEL?

Todos nós lembramos das coisas que nos chamaram a atenção. Às vezes coisas bobas ficam muito tempo na memória, ou por muito tempo, porém acontecimentos com intenso efeito emocional ficam para sempre, sejam eles bons ou ruins. Podemos afirmar que temos certeza de todos os detalhes que ficaram em nossa memória, pois se lembramos deles é porque esses detalhes são reais e realmente aconteceram.

Será?

Ensina-se na universidade de direito o cuidado que se deve tomar ao ouvir depoimentos de testemunhas. Por um lado a pessoa pode estar simplesmente mentindo, por outro, pode estar enganada. Esse segundo aspecto é o que mais preocupa. Uma testemunha honesta e confiável pode dar um testemunho diferente da realidade e isso porque o que ficou gravado em sua mente não foi a realidade como em uma foto ou filme, mas o que a pessoa acha que viu; o que impressionou os seus sentidos. A mente de uma pessoa guarda o aspecto, real ou imaginário, que mais impressionou no momento da ocorrência, e isso acontece com todos nós…

Um exemplo interessante está no filme My Cousin Vinny (Meu Primo Vinny), ótimo filme, muito engraçado, com o ator Joe Pesci. Nesse filme todas as testemunhas apresentam um depoimento diferente da realidade, pois elas ficaram impressionadas com um ou outro detalhe que, apesar de parecido com o que realmente ocorreu, na verdade não era o fato real, o que quase custou a condenação de dois jovens.

Se analisarmos todas as nossas memórias talvez possamos detectar erros ou possibilidades de erros – ou se estivermos convencidos da sua veracidade talvez não o possamos fazer. O cérebro não é um computador e o que fica na memória são impressões e não fatos. Ao presenciarmos um evento dramático, por exemplo, um acidente com morte ou um assassinato, cada um vai gravar na memória aquilo que mais lhe sensibilizou. Nessa hora podem-se confundir os detalhes do acidente e do ambiente a sua volta, ou a cor do assassino, seu aspecto e detalhes do crime. Há ainda um agravante. Com o passar do tempo ao remoer o acontecimento, nossa imaginação pode acrescentar detalhes que não existiam antes e depois começar a acreditar neles como se realmente tivessem existido.

Vocês já chegaram pela primeira vez a lugares onde tiveram a sensação de já terem estado lá antes? Isso ocorre porque a memória guardou sensações provocadas por lugares diferentes que por um acaso são as mesmas que esse novo lugar está provocando, e por isso parece que se está de volta a um mesmo lugar visitado no passado – ou em uma “vida anterior”.

Diz-se que, quando se inventa algo, se a pessoa passar muito tempo achando que essa invenção foi realidade, ela passa a ser considerada que não foi inventada, mas sim é realidade absoluta. Essa alteração de memória ocorre de maneira inconsciente e por isso a pessoa ao afirmar algo que não aconteceu estará falando a verdade, pois para ela é um fato realmente ocorrido.

Existe uma tendência em construir rostos e vozes. Ilusões óticas e sons inexistentes acabam fazendo parte de nossa memória e por vezes se interpõem a acontecimentos reais. O cérebro é mestre em simulações e confusões com experiências vividas apenas em sonhos. Podemos chamar de alucinações ou psicoses, porém sem o conhecimento da pessoa envolvida. Nesses casos acaba-se criando um modelo alternativo da realidade.

Vocês já ficaram de frente a uma foto de uma pessoa em tamanho natural onde nessa foto a pessoa olha diretamente para você? Quando você caminha ao redor da foto parece que os olhos na foto acompanham você… Esse é um bom exemplo de ilusão ótica criada pelo cérebro. Façam uma experiência, um dia em que saírem a passeio em grupo e acontecer algo extraordinário, ou se por acaso viram uma paisagem que chamou a atenção do grupo, ao chegarem em casa peçam que cada um de sua versão do que viu. Vocês vão comprovar que existirão detalhes conflitantes ao se comparar as impressões.

A conclusão que podemos tirar disso é que se não podemos confiar totalmente na nossa própria memória, temos que levar isso em conta ao avaliarmos o testemunho de terceiros, mesmo quando essas pessoas são honestas e confiáveis.

7 comments:

Mary said...

Enfim, somos N reações e neurotransmissores que se transformam em emoções, memórias e atos; sem isso, morte. Admirável!!!

Eduardo said...

Realmente eh fantastico o funcionamenteo do cerebro.

Fernando Valente said...

Interesting. Não sabia disso. Engraçado como o povo acha que deja-vu é algo que aconteceu em outra vida.

Lucia said...

Estou lendo um livro muito interessante chamado "People Reading" de uma mulher que trabalha avaliando as pessoas pra ver quais serao as melhores a serem escolhidas pra fazer parte de um jure em determinados casos.

O nome dela eh: Jo-Ellan Dimitrius. E foi a quem ajudou os advogados a escolher os jures do caso do OJ Simpson.

Tem um capitulo no livro que ela escreve sobre intuicao e que achei interessantissimo! Ia ate escrever sobre isso no meu blog.

Ela diz que a maioria das pessoas normalmente nao prestam muita atencao a suas percepcoes e experiencias. Apesar disso, essas experiencias acabam fazendo parte da nossa database de conhecimento acumulado e guardado no subconsciente.

Se certos eventos te levaram a ter uma ma ou boa experiencia, quando eventos similares ocorrem novamente, isso pode levar a algo que as pessoas chamam de intuicao.

Esse alerta pode ser chamado tb de deja-vu, ansiedade, tendo um sentimento ruim quando algo nao da certo ou um sentimento de entusiamo quando da certo.

Tem um capitulo inteiro sobre isso, mas em conclusao, ela diz que intuicao eh quase sempre o resultado de uma memoria associada a um evento (bom ou ruim) do seu subconsciente imergindo.

Interessante, ne? bjos

Beth/Lilás said...

Caro amigo Shrek,
Você, como sempre, trazendo bons temas para refletirmos.
Pois, ando com minha memória falha demais, inclusive ontem, quis lembrar o nome de uma atriz enquanto falava com minha amiga Glorinha e não lembrei de jeito nenhum. Pior que ela também. hehe
Mas, sabe, tenho visto muitos jovenzinhos assim também, o que será que anda acontecendo ao mundo?!
Muita informação, será?!
bjs cariocas

Eduardo said...

Beth, eu acho que o cerebro anda sobrecarregado de tanta informacao e anda fazendo uma faxina. Pena que as vezes ele joga fora ou coloca em agum lugar ignorado o que nao deve e depois ficamos procurando sem saber onde... Parece aqui em casa.
Um abraco
Shrek

Lúcia Soares said...

Eduardo, é um texto interessante e que nos faz pensar mesmo.
Também ando com a memória meio afetada. Antes eu sabia detalhes de conversas. Hoje, falo algo de manhã e à tarde já tenho que pensar se falei mesmo...
Mas também acho que é excesso de informação. Bem que quando a gente quer, lembra-se de tudo.
Há muitos jogos para se melhorar a memória e é preciso que nos exercitemos mesmo.
Também ando cansada e a idade nos tráz muita desilusão, então acho que ficamos mais seletivos e só guardamos o que é absolutamente interessante pra nós, ou automático (como a hora de um remédio que se toma há anos).
SNão sei bem como funciona mas o cérebro ainda é um desconhecido para a ciência. Ou mal usado.