Cumprindo o prometido, o Shrek agora vai divertir voces, mesmo porque, se eu colocar muito tema sério vou perder a audiencia... Trata-se de uma situação real ocorrida uns anos atrás, mas engraçada; espero que gostem.
Na minha infância e juventude, eu, assim como todos os animais, quando tinha sede tomava água. Essa parece ser uma informação óbvia, porém há uma série de particulares nesse simples ato da natureza que justifica minha observação.
A água que tomava, principalmente nos tempos de fazenda perambulando pelos pastos e matas afastadas, era a que fosse disponível em forma liquida, de preferência nas chamadas nascentes, cuja única vantagem era serem bem mais frias que o ambiente, porém sempre em lugares de difícil acesso, apertados e cercados de mato ao redor, com algum matinho também dentro.
Nesses lugares, é claro, tinha que competir com os muitos girinos, caranguejos, lambaris, baratas d’água, lacraias e muitas outras formas de vida que se podia ver e evitar. Naturalmente o que não se podia ver, como os milhões de microorganismos, protozoários, unicelulares e outras criaturas do gênero, não era motivo de preocupação. Creio que se retirasse toda essa forma de vida dificilmente sobraria alguma água em sua forma pura. O que não se vê não se teme e assim eu e os animais crescemos fortes e saudáveis.
Com os anos aprendi que era muito importante utilizar-se de um filtro. O filtro tem a propriedade de eliminar todas as partículas sólidas que não tem nenhum efeito nocivo para o organismo, pois são eliminadas naturalmente, mas deixa ficar os componentes químicos e bactérias que fazem mal. Como todo mundo, ao crescer passei a tomar água filtrada porque a água sem filtrar, diziam, agora faria mal. Assim pregava a sabedoria adulta e assim deveríamos fazer.
Mais tarde, já nem essa água servia, pois tinha que ser mineral e engarrafada, provavelmente em garrafas de plástico contaminadas, mas engarrafadas mesmo assim e, portanto, boas para o consumo. E assim tornei-me adulto bebedor de água mineral porque de outra forma faz mal (a menos que você seja jovem e não saiba dessas coisas).
Nesse processo de aculturamento paranóico, encontrei-me recentemente no México com o dilema crítico de tomar água. Por certo tinha que ser mineral (será que as outras são “vegetais”? Com certeza são muito “animal”) e então saí em busca de um bebedouro de botijão, ignorando todas as torneiras que encontrei pelo caminho.
Estava eu no escritório de nossa subsidiária e caminhando pelos meandros das salas e cubículos finalmente encontrei: na minha frente estava um belo bebedouro, daqueles com botijão de vidro de cabeça para baixo e duas torneiras por onde deveria sair o precioso líquido, a custo provavelmente cem vezes maior do que seu real valor obtido na fonte.
Trata-se de um dispositivo que desafia a imaginação, a começar pelo fenômeno inexplicável de como colocar um botijão com pelo menos 20 litros de água de cabeça para baixo por sobre o aparelho sem que ela se derrame no processo. Fiquei imaginando se por acaso, depois de retirar a tampa do botijão, a pessoa (que precisa ter muita força) antes de girar a boca do botijão para baixo, dá nele um balanço para cima de maneira a enganar a água que então tenta cair para cima em direção ao fundo do recipiente e assim, com o gargalo já para baixo o esperto cidadão coloca o botijão no seu devido lugar. Tudo isso, é claro muito rapidamente. Devem ocorrer muitos acidentes, pelo menos nos casos quando a água não se deixa enganar assim tão facilmente ou talvez por faltar ao atendente músculos suficientes para o devido balanço para cima, ou até mesmo porque, como se costuma dizer, shit happens. Porem, penso eu, apesar da molhadeira, eventualmente alguma água sobra no botijão que acaba gloriosamente empinado sobre a base do dispositivo.
Após essas considerações, observo que, no dispositivo à minha frente, em baixo existem duas torneiras. Pelo menos nisso meu raciocínio operou mais rápido ao concluir que devem ser para sair a água. Lembrei-me então de que em outras maquinas semelhantes essas torneiras são de cores diferentes: uma branca, outra azul. Na verdade nem sempre esse é o padrão usual e as cores podem variar, deixando por conta do infeliz usuário a tarefa de adivinhar qual a gelada e qual a de temperatura ambiente (alternativas essas é claro, totalmente aleatórias e absolutamente assumidas já que não há qualquer tipo de indicação, podendo ser inclusive alternativas de quente ou fervendo, ou mesmo gelada ou congelada). Porém de uma coisa eu estava certo, sendo de cores diferentes, uma deveria ser o oposto da outra e daí por diante é tarefa fácil para qualquer freqüentador de Las Vegas.
Nesse ponto observei que a cor era vermelha. Coisa inusitada, pensei, pois vermelho geralmente indica perigo ou pelo menos alerta! Será que por ali sairia água contaminada? Radiativa talvez? Não, raciocinei, pelo menos não num escritório tão inocente quanto o nosso, mesmo porque não soube de nenhuma baixa no escritório por razões de envenenamento. Decidi, então, ir em frente e me aproximei das torneiras, das duas, as únicas duas que haviam por ali, as duas vermelhas… Procurei por outras de outras cores, mas não, aquelas eram as únicas, e do mesmo tom de vermelho, dissipando, portanto, todas as minhas esperanças de alguma diferenciação de pelo menos um vermelho claro e um vermelho escuro.
Resignado, procurei pelo copo disposto a tentar a sorte mesmo sem nenhuma cigana por perto. Não encontrei. Digo, não a cigana, mas o copo; simplesmente não havia copos nem nas adjacências nem nas imediações. Nada, niente, nicht. Será que deveria colher a água com a mão sem derramar? Estava muito baixo para aplicar a boca e muito vulnerável para não ser flagrado em tão deprimente ato anti-higiênico, e assim vi-me em total impasse.
Em minhas andanças pelo mundo há muito que concluí ser uma tremenda injustiça o que nós brasileiros fazemos com os portugueses em relação ao preconceito com que imputamos a eles nossas melhores piadas, porém, a menos que os mexicanos sejam portugueses ou sejam deles descendentes, face ao presente dilema em que me encontrava, decidi que, daí em diante, decididamente iria substituir os portugueses de minhas piadas por mexicanos.
Retornando ao famigerado bebedouro, que por certo estava rindo de minhas aflições, decidi voltar pelo caminho de onde tinha vindo e, memorizando o complicado trajeto para encontrá-lo novamente, achei afinal um copo. Era um de plástico, daqueles bem finos, super finos, absurdamente finos que quando se põe qualquer liquido dentro tombam ou correm por sobre a superfície como se a fugir do líquido e, além disso, amassam totalmente na mão dos incautos que tentam segurá-lo, derramando o seu conteúdo e molhando a tudo e a todos. Penso que o fabricante é sádico ou o copo tem outras utilidades que não seja a de colocar liquido dentro, mas muita gente pensa que é para colocar liquido e por isso estava lá. Bem, eu já estava preparado para mais esse desafio e assim segurei cuidadosamente esse único copo que havia e voltei para a máquina para terminar meu complicado projeto de tomar água. Ah meus tempos de infância, como a vida era mais fácil! Agora entendo perfeitamente as muitas observações do meu pai a esse respeito.
Eis que me encontro de volta defronte à máquina e as suas duas únicas torneiras vermelhas. Trata-se de um jogo de azar e minhas chances são de 50%, por isso é melhor não jogar alto e começar com um pouco de água para ver o resultado antes de se comprometer com muito, pois, como não havia onde jogar caso o liquido fosse indesejável, qualquer erro seria fatal.
Arrisquei e perdi!
A água fervente que saiu estava tão quente que por algum fenômeno insondável devem tê-la aquecido acima dos 100 graus Celsius permitido pela química, pois imediatamente derreteu o copo. Por curiosidade, pois não me restavam mais copos, experimentei a outra torneira vermelha; como não poderia deixar de ser, a água que caiu no chão era gelada…
Frustrado, passei pela primeira pia que encontrei e, com a mão, bebi a famigerada água. Que se danem os adultos e seu complicado mundo.
Eduardo Ulhoa Cintra, Agosto de 2001
Na minha infância e juventude, eu, assim como todos os animais, quando tinha sede tomava água. Essa parece ser uma informação óbvia, porém há uma série de particulares nesse simples ato da natureza que justifica minha observação.
A água que tomava, principalmente nos tempos de fazenda perambulando pelos pastos e matas afastadas, era a que fosse disponível em forma liquida, de preferência nas chamadas nascentes, cuja única vantagem era serem bem mais frias que o ambiente, porém sempre em lugares de difícil acesso, apertados e cercados de mato ao redor, com algum matinho também dentro.
Nesses lugares, é claro, tinha que competir com os muitos girinos, caranguejos, lambaris, baratas d’água, lacraias e muitas outras formas de vida que se podia ver e evitar. Naturalmente o que não se podia ver, como os milhões de microorganismos, protozoários, unicelulares e outras criaturas do gênero, não era motivo de preocupação. Creio que se retirasse toda essa forma de vida dificilmente sobraria alguma água em sua forma pura. O que não se vê não se teme e assim eu e os animais crescemos fortes e saudáveis.
Com os anos aprendi que era muito importante utilizar-se de um filtro. O filtro tem a propriedade de eliminar todas as partículas sólidas que não tem nenhum efeito nocivo para o organismo, pois são eliminadas naturalmente, mas deixa ficar os componentes químicos e bactérias que fazem mal. Como todo mundo, ao crescer passei a tomar água filtrada porque a água sem filtrar, diziam, agora faria mal. Assim pregava a sabedoria adulta e assim deveríamos fazer.
Mais tarde, já nem essa água servia, pois tinha que ser mineral e engarrafada, provavelmente em garrafas de plástico contaminadas, mas engarrafadas mesmo assim e, portanto, boas para o consumo. E assim tornei-me adulto bebedor de água mineral porque de outra forma faz mal (a menos que você seja jovem e não saiba dessas coisas).
Nesse processo de aculturamento paranóico, encontrei-me recentemente no México com o dilema crítico de tomar água. Por certo tinha que ser mineral (será que as outras são “vegetais”? Com certeza são muito “animal”) e então saí em busca de um bebedouro de botijão, ignorando todas as torneiras que encontrei pelo caminho.
Estava eu no escritório de nossa subsidiária e caminhando pelos meandros das salas e cubículos finalmente encontrei: na minha frente estava um belo bebedouro, daqueles com botijão de vidro de cabeça para baixo e duas torneiras por onde deveria sair o precioso líquido, a custo provavelmente cem vezes maior do que seu real valor obtido na fonte.
Trata-se de um dispositivo que desafia a imaginação, a começar pelo fenômeno inexplicável de como colocar um botijão com pelo menos 20 litros de água de cabeça para baixo por sobre o aparelho sem que ela se derrame no processo. Fiquei imaginando se por acaso, depois de retirar a tampa do botijão, a pessoa (que precisa ter muita força) antes de girar a boca do botijão para baixo, dá nele um balanço para cima de maneira a enganar a água que então tenta cair para cima em direção ao fundo do recipiente e assim, com o gargalo já para baixo o esperto cidadão coloca o botijão no seu devido lugar. Tudo isso, é claro muito rapidamente. Devem ocorrer muitos acidentes, pelo menos nos casos quando a água não se deixa enganar assim tão facilmente ou talvez por faltar ao atendente músculos suficientes para o devido balanço para cima, ou até mesmo porque, como se costuma dizer, shit happens. Porem, penso eu, apesar da molhadeira, eventualmente alguma água sobra no botijão que acaba gloriosamente empinado sobre a base do dispositivo.
Após essas considerações, observo que, no dispositivo à minha frente, em baixo existem duas torneiras. Pelo menos nisso meu raciocínio operou mais rápido ao concluir que devem ser para sair a água. Lembrei-me então de que em outras maquinas semelhantes essas torneiras são de cores diferentes: uma branca, outra azul. Na verdade nem sempre esse é o padrão usual e as cores podem variar, deixando por conta do infeliz usuário a tarefa de adivinhar qual a gelada e qual a de temperatura ambiente (alternativas essas é claro, totalmente aleatórias e absolutamente assumidas já que não há qualquer tipo de indicação, podendo ser inclusive alternativas de quente ou fervendo, ou mesmo gelada ou congelada). Porém de uma coisa eu estava certo, sendo de cores diferentes, uma deveria ser o oposto da outra e daí por diante é tarefa fácil para qualquer freqüentador de Las Vegas.
Nesse ponto observei que a cor era vermelha. Coisa inusitada, pensei, pois vermelho geralmente indica perigo ou pelo menos alerta! Será que por ali sairia água contaminada? Radiativa talvez? Não, raciocinei, pelo menos não num escritório tão inocente quanto o nosso, mesmo porque não soube de nenhuma baixa no escritório por razões de envenenamento. Decidi, então, ir em frente e me aproximei das torneiras, das duas, as únicas duas que haviam por ali, as duas vermelhas… Procurei por outras de outras cores, mas não, aquelas eram as únicas, e do mesmo tom de vermelho, dissipando, portanto, todas as minhas esperanças de alguma diferenciação de pelo menos um vermelho claro e um vermelho escuro.
Resignado, procurei pelo copo disposto a tentar a sorte mesmo sem nenhuma cigana por perto. Não encontrei. Digo, não a cigana, mas o copo; simplesmente não havia copos nem nas adjacências nem nas imediações. Nada, niente, nicht. Será que deveria colher a água com a mão sem derramar? Estava muito baixo para aplicar a boca e muito vulnerável para não ser flagrado em tão deprimente ato anti-higiênico, e assim vi-me em total impasse.
Em minhas andanças pelo mundo há muito que concluí ser uma tremenda injustiça o que nós brasileiros fazemos com os portugueses em relação ao preconceito com que imputamos a eles nossas melhores piadas, porém, a menos que os mexicanos sejam portugueses ou sejam deles descendentes, face ao presente dilema em que me encontrava, decidi que, daí em diante, decididamente iria substituir os portugueses de minhas piadas por mexicanos.
Retornando ao famigerado bebedouro, que por certo estava rindo de minhas aflições, decidi voltar pelo caminho de onde tinha vindo e, memorizando o complicado trajeto para encontrá-lo novamente, achei afinal um copo. Era um de plástico, daqueles bem finos, super finos, absurdamente finos que quando se põe qualquer liquido dentro tombam ou correm por sobre a superfície como se a fugir do líquido e, além disso, amassam totalmente na mão dos incautos que tentam segurá-lo, derramando o seu conteúdo e molhando a tudo e a todos. Penso que o fabricante é sádico ou o copo tem outras utilidades que não seja a de colocar liquido dentro, mas muita gente pensa que é para colocar liquido e por isso estava lá. Bem, eu já estava preparado para mais esse desafio e assim segurei cuidadosamente esse único copo que havia e voltei para a máquina para terminar meu complicado projeto de tomar água. Ah meus tempos de infância, como a vida era mais fácil! Agora entendo perfeitamente as muitas observações do meu pai a esse respeito.
Eis que me encontro de volta defronte à máquina e as suas duas únicas torneiras vermelhas. Trata-se de um jogo de azar e minhas chances são de 50%, por isso é melhor não jogar alto e começar com um pouco de água para ver o resultado antes de se comprometer com muito, pois, como não havia onde jogar caso o liquido fosse indesejável, qualquer erro seria fatal.
Arrisquei e perdi!
A água fervente que saiu estava tão quente que por algum fenômeno insondável devem tê-la aquecido acima dos 100 graus Celsius permitido pela química, pois imediatamente derreteu o copo. Por curiosidade, pois não me restavam mais copos, experimentei a outra torneira vermelha; como não poderia deixar de ser, a água que caiu no chão era gelada…
Frustrado, passei pela primeira pia que encontrei e, com a mão, bebi a famigerada água. Que se danem os adultos e seu complicado mundo.
Eduardo Ulhoa Cintra, Agosto de 2001
6 comments:
Hahaha, voce tem que carregar uma garrafinha de agua contigo nesses lugares.
So de pensar que aqui a gente toma agua da pia - quando nos mudamos pra ca, levei tempo pra acostumar com isso, pois voce tem na cabeca que a agua eh suja, hoje em dia eh habito - e eu so tomo agua no room temperature, nao sei como voce gosta de agua gelada ou tanto gelo ali dentro. Pra mim, nao desce direito.
bjos
Putz, ainda bem que vc foi precavido e usou o copo ao invés da boca direto na torneira quente! Abç.
Hahahahahahaha... putz!
Assim como a Lu eu tb prefiro água na temperatura ambiente. Aqui na serra isso é mais fácil mesmo no calor (pois não faz tanto calor assim!). Quando eu morava em Niterói tinha que beber gelada mesmo. Enfim...
Agora, só não entendi porquê em uma das torneiras saía água fervendo. Qual o sentindo? Será que os mexicanos têm o hábito de tomar chá ou alguma bebida desse tipo? Porque aí seria explicável (pelo menos coerente) que a tal água fervente estivesse disponível, pois o sujeito apenas levaria o seu "saquinho" de chá e deixaria imerso por um tempo ali.
Muita sacanagem os copos serem de plástico se o tal bebedouro oferece esta opção. Bom, talvez eles possam ter o hábito também de depenar galinhas.
Hahahahahahaha!
Aqui na minha casa é água mineral que abastece, não tem cloro nem nada. Mas temos um filtro e o utilizamos para beber e fazer comida (quase sempre). Confesso que se me dá sede na hora de dormir eu bebo água da torneira mesmo e não me importo muito não. Afinal, embora sejamos de gerações diferentes, quando eu era criança era exposta a tantos supostos "perigos" e não morri que chego a crer mesmo naquele ditado: "O que não mata, engorda!".... rsrsrs.
Abraços!
Oi, Eduardo.
O melhor de tudo (ou pior) é as duas torneiras terem a mesma cor...
No mínimo, muito estranho.
E ninguém por perto, pra lhe dar um "help"?
Mas ainda bem que tudo acabou bem!
Rsrsr
Oi, Eduardo!
Olha, eu odeio estes copinhos finos que vc fala!
Já senti que a coisa pelo México é tanto ou igual aqui pelo Brasil, complicaaaaado!
E vc sabe, sempre amasso os copinhos que uso, nunca os deixo inteiros, tenho medo que re-utilizem.
Manda mais história, vai!
abraço carioca
Rsrsrs ADOREI a história!
Realmente, pra quê descomplicar o que pode fazer os gringos virarem mais motivo de risada? rsrs Aqui na Suécia não tem segredo, é na torneira mesmo, como nos velhos tempos. Dessa eu me livrei!
Gostei muito do teu blog, da forma que é escrito, voltarei mais vezes.
Post a Comment