Thursday, April 15, 2010

TEATRO MUNICIPAL DE “PITISBURGUI” APRESENTA: A MORTE DO BOI

Pois o meu boi morreu!
Mas o distinto possuía um boi?
Um cinza, um Ford Taurus!
E como foi?
Tudo começou com o avião do meu primo!
O seu primo tem um avião? Ela deve ser muito bonita, não é?
Não é isso, trata-se de uma máquina!
Já entendi, é um modelo profissional; loura ou morena?
Pé no chão, criatura, estou falando de um avião mesmo, o que voa!
Ah! Um avião caiu em cima do seu boi, o Taurus...
Mais ou menos; melhor começar do começo senão vamos ficar nos desentendendo por muito tempo...

Era uma vez um primo que vivia numa fazenda e, ao contrário dos outros meninos normais da região que possuíam cavalos, vacas, galinhas, colecionavam coquinhos, caroço de manga e outras coisas típicas, resolveu colecionar aviões. Tudo muito natural, pois aviões são o que mais se vê em fazendas, não é? Tem avião no pasto, na roça, no galinheiro, em cima das árvores, etc, etc...

Na verdade são aeromodelos. Começa-se por cortar, armar e colar os pauzinhos e depois recobrir com um papel devidamente esticado com um verniz especial e finalmente pintar com esmero. Não havendo interrupções, ao cabo de um mês ou dois de trabalho tudo está pronto para o vôo inaugural.

Nesse grande dia, o primo com os dedos das mãos recobertos por cola, verniz e outros dejetos permanentemente alojados em baixo das unhas e por toda a mão (e na sobrancelha – quando foi retirar o suor com a mão cheia de resíduos de cola) chama a família para o terreiro e, em meio ao suspense geral, começa a girar a hélice ao contrário batendo rapidamente com o dedo para dar a partida no motor. Num desses golpes, inesperadamente o motor pega, a hélice então gira de volta e bate no dedo parando a seguir, não sem antes provocar o primeiro corte. Meia hora mais tarde, muitas tentativas, vários cortes e esparadrapo nos dedos, o motor está girando e o avião pronto para decolar. Arremete e levanta vôo, espatifando-se em seguida na primeira árvore.

Realmente sempre admirei esse hobby que premia o infeliz que passou tanto tempo trabalhando no projeto, oferecendo-lhe no final muitos segundos de vôo, após os quais, vai ser aumentada a sua coleção de sucatas. Sendo otimista, sempre é bom ter partes sobressalentes para o próximo modelo. Mas, pera aí; estamos nos tempos do internet e não mais do estilingue, assim meu primo evoluiu de modelos; eles agora já vem semi prontos, são muito mais caros e não batem mais em árvores; preferem se espatifar no chão mesmo, com grandes efeitos, inclusive reproduzindo prejuízos proporcionais aos bons acidentes dos aviões de verdade. Sabe como é, um bom modelo precisa ser igual ao de verdade em tudo, não é?
E foi assim, nesse processo, que ele começou a formar sua coleção: comprando os modelos e peças em São Paulo para levá-los para a fazenda em Laranjal Paulista. Logo teve a idéia de comprar as peças diretamente do fabricante nos USA, pedindo para entregar em minha casa aqui em Pittsburgh. Eu, na primeira oportunidade de viajar para o Brasil as levava para ele. Coisas simples e pequenas, de caber no bolso ou na mala de mão. Com o tempo me acostumei com as caixas que chegavam de tempos em tempos, porém agora, como acontece com a criação em qualquer fazenda, foram pouco a pouco aumentando em quantidade e tamanho, mas, como a gente acaba se acostumando, não nota a alteração.

Um dia ele me pediu se eu podia levar um modelo especial, um pouquinho maior que o usual. Eu pensei logo em um, digamos bezerro, mas na verdade estávamos falando de um touro de argola no nariz e bufando, mas isso só descobri depois de me encontrar com o touro no meio do pasto e longe de qualquer árvore...

Pois te conto. Um dia, ao chegar à noite em casa e abrir a porta não pude entrar, pois haviam construído uma “parede” atrás da porta. Tive de dar a volta pelo jardim, pisar no cocô do cachorro e bater no vidro para chamar a atenção das minhas filhas. Ao longe, através do corredor, vi, bloqueando a porta, o que deveria ser um obelisco egípcio, devidamente embalado. Pensei em algum presente da minha amiga Mona AbdelRahman, do Cairo, mas os obeliscos ficam no jardim e não dentro da casa; onde estava havia o perigo de furar o piso indo atravessar a capota do carro na garagem. Perguntei para minhas filhas porque haviam bloqueado a porta com a caixa, e elas me disseram que foi o maximo que puderam fazer, já que necessitavam de mais uma pessoa para mover a caixa até a garagem. Depois de mais essa tarefa fui ver o que era e descobri ser o tal avião, um lindo modelo de Cessna com dois motores, que, aliás, chegaram separados com mais algumas peças em umas cinco outras caixas – essas pequenas, claro. Qualquer caixa perto do obelisco seria sempre pequena. Foi quando então fiquei de pé ao lado da caixa e olhei para cima, para avaliar a altura... Vejamos: quase dois metros de altura e uns 60 cm de cada lado. Realmente, não é que a caixa era mesmo grande?

Durante o mês seguinte fiquei trabalhando no projeto de levar o avião até São Paulo. Confirmei com a American Airlines que ele poderia passar pela porta e entrar no compartimento de bagagem do meu primeiro vôo – um jato da Embraer – e nos containeres especiais dos jatos grandes das outras conexões. A etapa seguinte foi solucionar como chegar até o aeroporto.

Logo de cara desisti de tentar o Taurus: ele se encolheu com medo da caixa e se escondeu na garagem fingindo-se de morto. Tentei colocar a caixa dentro do outro carro (um Impala tamanho grande). Entrou no banco de trás, mas não podia fechar as portas. No da frente nem pensar, teria que arrancar a porta, afinal depois de muitas tentativas concluí que teria que cortar o teto do carro, assim voltei ao porta malas. Eu ja havia começado por essa opção e a caixa nem passou pelo vão entre a tampa do porta malas e a base, porém pensei em colocá-la em ângulo formando 45 graus com o chão, deixando a tampa do porta malas aberta. O carro ficou parecendo um guincho com a maior parte da caixa saindo por trás dele. Quando larguei quase caiu no chão. Resolvi o problema amarrando uma corda na extremidade que ficava pendurada para fora e passando por dentro do carro através dos vidros abertos do banco detrás. Deu certo e então completei a amarração e larguei o carro aberto com caixa e tudo para passar o resto da tarde e a noite no driveway em frente à calcada. Nao se preocupem, por aqui nao há assaltos.

Na manhã seguinte tentei colocar as minhas malas – afinal precisava levar roupas e minha bagagem – e só consegui lugar no banco da frente. Fui dirigindo devagar até chegar ao estacionamento do aeroporto e depois de mais dificuldades para retirar a caixa e colocá-la no ônibus que leva até o terminal, cheguei ao check-in. Essa parte foi fácil: como conheço todas as funcionárias da American Airlines elas ao verem a caixa comecaram a fazer piadas e me deixaram despachar sem cobrar nada. Só perguntaram se eu havia confirmado que passaria pela porta de bagagem do avião e como disse que sim, nao houve mais problemas.

Para terminar essa história, concluo que ao chegar em São Paulo, a caixa foi a única coisa que coube no carrinho até a alfândega; eu tive que arrastar as malas na mão. Quem estava longe so via a parte de cima da caixa passando pelo terminal. O funcionário inocentemente perguntou: é brinquedo? Eu mais do que depressa concordei, e mantive em segredo o valor do tal “brinquedo” de mais de dois mil Dollars... Gringo cretino! deve ter pensado o funcionario brasileiro ao ver meu passaporte, mas arranhou um inglês me dizendo “dis uêi, dis uêi” e me apontou a porta de saída, e assim passei impunemente. Meu primo foi me buscar de caminhonete, e a caixa quase nao coube. Até hoje ele não entende como consegui colocar no meu carro. Honestamente, nem eu.

De agora em diante por mais que os amigos brasileiros me encomendem alguma coisa (como sempre fazem) e perguntem se não vai atrapalhar, penso no avião, sorrio e digo que não. É impossível ter algo maior do que aquela famigerada caixa.

5 comments:

Beth/Lilás said...

Tive que rir da sua gentileza e vou lhe dizer uma coisa, não suporto quando me pedem para trazer algo, por isso só aviso a algumas pessoas quase em cima do dia que vou viajar.
Oras, eu nunca peço nada a ninguém, não amolo, justamente para não ser amolada! Mas, o que tem de cara de pau por aí, não é fácil!
Teve um uma vez que me pediu para trazer um tênis pro filho que tinha o maior pé do mundo e aquilo atrapalhou um bocado nas minhas arrumações da mala e ainda tinha que ouvir do marido que não tinha que ficar alardeando quando fosse viajar. Por isso agora, fico quietinha. hehe

abraço carioca

Lucia said...

Confesso que estou rindo ate agora, ainda mais daquela parte de voce nao conseguir entrar em casa devido ao tamanho da caixa.

Olha, fala pros "encomendadeiros" que agora existe uma compania que te deixa comprar coisas aqui nos States e mandar pro endereco da compania e de la, eles enviam pro Brasil. Beeeem mais facil, ainda mais pra coisas grandes assim, cruz credo! Se quiser eu te dou o nome.
bjos

Unknown said...

Hahahahahaha.. consegui imaginar a cena direitinho!!! Que luta! No mais, achei você muito gentil mesmo perante a uma situação dessas. Não vejo mal algum em fazer esse tipo de gentileza pra alguém, mas infelizmente algumas pessoas abusam, aí é o momento de dizer não.
Abraços

Lúcia Soares said...

Eduardo, além de interessante, pois a questão das "inocentes" encomendas sempre dão boas histórias, a maneira como você relata deixa que a gente veja tudo, como num filme.
Você é um ótimo escritor.
E embora more fora do Brasil há anos, escreve muito bem em português. Sabe que até pra nós, quase ninguém sabe que a palavra é "sobrancelha" e só grafam errado, "sombrancelha".
Só isso já me encanta. Nada melhor que ler um texto bem escrito.
Fora que é engraçado, também. Sua veia cômica está sempre presente no que conta.
Um abraço!

Eduardo said...

Lucia Soares, partindo de uma professora seu comentario deixa-me lisonjeado. Tento manter viva por aqui a ultima flor do lacio, apesar da interferencia forte do estrangeiro. Minhas filhas que o digam.
abracos